Alergia à proteína do leite de vaca?

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Parece dieta da moda, mas não é. O diagnóstico de alergia à proteína do leite de vaca (reduziremos aqui esse nomão para “APLV”) colocou muitas mães em restrição absoluta de leite e derivados. Mas e por que isso é necessário?

A alergia à proteína do leite de vaca, mais frequentemente às proteínas caseína, lactoalbumina e lactoglobulina, é uma condição que acomete até 5% dos bebês alimentados por fórmula, e de 0,5 a 1% dos bebês em aleitamento materno, sendo que a grande maioria vai se apresentar nos primeiros seis meses de vida. Ainda que haja dúvidas quanto a real prevalência da APLV, sabe-se que dentre as alergias alimentares na criança, ela é a mais frequente. Através de diferentes mecanismos, a alergia faz com que a criança não tolere qualquer quantidade dessa proteína em seu organismo, manifestando sua rejeição de diferentes formas, como sangue nas fezes, baixo ganho de peso e manchas na pele. Uma vez retirada a causa, ou seja, excluído o leite de vaca da dieta (nos casos de aleitamento materno, significa retirar leite e derivados da dieta da mãe), os sintomas melhoram. Nesse texto, falaremos aqui sobre a APLV que acomete os pequenos, menores de um ano, pois são os mais acometidos.

Para a tristeza de todos – bebês, pais e médicos – nem sempre é fácil diagnosticar a APLV. As alergias alimentares, de modo geral, são definidas como uma resposta do sistema imunológico a sua presença no organismo, que gera algum sinal ou sintoma em nosso corpo. No caso da APLV, nem sempre essa manifestação é clara, e ela pode ser confundida tanto com outras doenças como com condições normais do bebê, podendo gerar duas possíveis situações indesejáveis: diagnosticarmos APLV em excesso, estigmatizando crianças saudáveis, ou deixarmos passar bebês sem diagnóstico. Abaixo, a lista de possíveis sinais e sintomas que encontramos na alergia à proteína do leite de vaca mostra como as coisas podem se confundir:

  • Diarreia, com ou sem perda de sangue e/ou proteínas associadas;
  • Vômitos;
  • Dor ou desconforto para engolir;
  • Cólica e/ou dor de barriga;
  • Constipação;
  • Dificuldade para ganhar peso;
  • Anemia ferropriva (por deficiência de ferro);
  • Urticária (inchaço e vermelhidão na pele);
  • Dermatite atópica;
  • Angioedema (inchaço de lábios, olhos e outras mucosas);
  • Coriza, sibilância e tosse constantes, sem associação com quadros de resfriado;
  • Anafilaxia

Fica mais fácil de cogitar APLV quando dois diferentes sistemas do nosso corpo estão envolvidos, mais frequentemente pele e sistema gastrointestinal (esôfago, estômago, intestino). Com menos frequência, a respiração também pode ser afetada e, mais raramente, a APLV pode se apresentar com anafilaxia, que é a reação alérgica mais grave, ou com um tipo de reação que imita um choque, com vômitos, diarreia, prostração e palidez.

Tantas dificuldades… não tem nada que ajude? O que mais ajuda é uma história e um exame físico bem feitos, por médico/a competente e bem preparado. Exames de imagem ou de laboratório podem ser necessários caso haja suspeita de outras doenças e, dependendo da forma de apresentação da APLV, a dosagem de imunoglobulinas específicas pode ajudar. A melhor forma de diagnosticar a alergia à proteína do leite de vaca, o que chamamos de padrão-ouro, é fazer um teste de exclusão total do leite de vaca, por um período que pode variar de 5 dias até 4 semanas, dependendo da forma que se apresenta. Caso o bebê esteja em aleitamento materno, quem faz a dieta é a mãe: leite e derivados devem ser suspensos! No caso de uso de fórmula infantil, ela será trocada por uma fórmula à base de leite de vaca, mas que é modificada, de forma que as proteínas são quebradas em partes menores, para não desencadear a alergia. Dependendo de cada caso, a fórmula pode ser do tipo extensamente hidrolisada, quando ocorre a quebra em partes bem pequenas, ou do tipo de aminoácidos, quando a quebra é em partes tão pequenas que ficam as menores partes formadoras de proteínas. Se for mesmo uma APLV, haverá melhora dos sintomas com a mudança da dieta, e o tempo para a melhora vai depender da maneira que a alergia se apresentou, podendo levar até 4 semanas. Nos casos de dúvida, pode-se tentar uma nova exposição à proteína e reavaliar o quadro. É um processo demorado que exige paciência de todos os envolvidos, para que se chegue na melhor resposta.

Felizmente, o diagnóstico de APLV não é para sempre, na grande maioria dos bebês. Com o tempo, vai se desenvolvendo uma tolerância e será possível testar novamente. O momento do teste vai variar, novamente, dependendo da forma de apresentação. Por exemplo, nos casos em que a alergia ocorre mediada pela imunoglobulina E, esse tempo costuma demorar um pouco mais, sendo geralmente após o primeiro ano de vida.

Apesar de o foco ser no bebê, as mães que estão em dieta exigem um cuidado especial: pela restrição alimentar da principal fonte de cálcio, está indicada a reposição de cálcio nesses casos.

Note que até agora, não falamos nada sobre a lactose. Alergia à proteína do leite de vaca e intolerância à lactose são condições diferentes! Em alguns casos de alergia, o intestino pode ficar bastante inflamado e, por isso, não consegue digerir a

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lactose, causando uma intolerância transitória. Nesses casos, além de eliminar a proteína, é necessário também restringir a lactose por um período.

A APLV é sempre um desafio para todos os envolvidos. Com acompanhamento adequado e bem munidos de informação, esse período de dieta pode ser vivido de forma mais tranquila.

Palavras-chave: Alergia à proteína do leite de vaca; APLV; fórmula de aminoácidos; fórmula extensamente hidrolisada.

Referências:

  1. Koletzko S, Niggemann B, Arato A, et al. Diagnostic approach and management of cow’s-milk protein allergy in infants and children: Espghan gi committee practical guidelines. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2012;55(2):221-229. doi:10.1097/MPG.0b013e31825c9482.
  2. Lifschitz C, Szajewska H. Cow’s milk allergy: evidence-based diagnosis and management for the practitioner. Eur J Pediatr. 2015;174(2):141-150. doi:10.1007/s00431-014-2422-3.
  3. Schoemaker AA, Sprikkelman AB, Grimshaw KE, et al. Incidence and natural history of challenge-proven cow’s milk allergy in European children – EuroPrevall birth cohort. Allergy Eur J Allergy Clin Immunol. 2015;70(8):963-972. doi:10.1111/all.12630.
  4. Vandenplas Y, Salvatore S, Ribes-koninckx C, Carvajal E, Szajewska H, Huysentruyt K. The Cow Milk Symptom Score ( CoMiSS TM ) in presumed healthy infants. 2018:1-12.

 

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